domingo, 8 de novembro de 2015



  PESQUISA: Professor Literário conclui que músicas brasileiras só falam em "pegação". Fonte; Gazeta do Povo

 


                                        
Nuvem gerada pelas letras das 100 músicas mais ouvidas nas rádios brasileiras no mês de setembro (dados mais recentes disponíveis): quanto maior a palavra, mais vezes ela aparece nas canções.
PEsquisa

Músicas nas rádios brasileiras só falam de pegação. Por quê?

Emissoras em busca de audiência tocam canções sobre mulheres ideais, dor de corno, beber até cair e pegar geral na balada

     
A lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras atualmente mostra que o cardápio dificilmente poderia ser mais restrito.

Só para começar: são 76% de sertanejo (contra 13% de outros gêneros nacionais e 11% de músicas de outros países). Todas as letras falam de um mesmo tema: relacionamento entre homem e mulher. E as mulheres não têm muita vez: apenas em seis casos a voz principal, que conta a história, é feminina.
Dentro do tema do relacionamento, o ângulo também não varia muito. São basicamente três hipóteses: o sujeito está completamente apaixonado por uma mulher ideal (a típica música romântica); ou foi abandonado por ela e lamenta a perda (a típica música de dor de corno); ou está solteiro e na balada, dizendo a plenos pulmões que pega todas e bebe até cair.
A reportagem baseou a lista das mais tocadas num software que acompanha a programação de 95% das rádios brasileiras e que faz a lista das mais tocadas mensalmente, o Spybat. Comparando com as rádios populares de maior audiência de Curitiba, o resultado é bastante semelhante. Em Curitiba, aliás, o software afirma monitorar 23 FMs, 2 AMs e três rádios web.


Hedonismo

A mais tocada do mês de setembro (última atualização disponível do sistema) dá uma amostra da mistura de “farra, bebida e mulher” que marca a programação. “Pensa num trem doido que é gostoso/Hoje não tem choro nem migué/Se essa sapequinha cair na minha lagoa hoje eu sou jacaré”, começa a letra de “Sapequinha”, de Eduardo Costa. A segunda mais tocada segue na mesa linha. “Tô namorando todo mundo/99% anjo, perfeito/Mas aquele 1% é vagabundo”, cantam Marcos e Belutti em “Aquele 1%”.
A seguir vêm várias letras românticas, todas com mais uma característica em comum: cantadas na primeira pessoa. Nunca se fala da história de terceiros, por exemplo. É sempre o cantor o personagem principal de um drama que não muda muito. “Prepare a nossa cama põe vinho no gelo/Que eu quero brindar pra esquecer/Esses dez minutos longe de você”, dizem Victor e Léo na quarta mais tocada. “Com a velha calça jeans/Na TPM unha por fazer/Mesmo de mal de mim/Eu vou estar com você” diz Lucas Lucco em “Quando Deus Quer”, a número seis da lista.
Apesar do domínio sertanejo, em geral os “clássicos”, como Chitãozinho e Xororó e Zezé di Camargo e Luciano estão bem para trás na lista. A geração de Fernando e Sorocaba e Michel Teló é que domina. Talvez por ter se adaptado melhor ao esquema desejado pelas rádios, que mistura o gênero “violeiro” com um gosto pela balada urbana. “É dia 10 e o que é que aconteceu?/Papai recebeu, papai recebeu/Eu tô patrão, hoje eu tô pagando tudo/Avisa que o after vai ser no apartamento superluxo”, cantam Fernando e Sorocaba em “Dia Dez”.

O sertanejo “clássico” aparece quando o personagem quer dizer que está triste. Aparece, nesses casos, sob o codinome “modão”. “Tô na solidão, ouvindo modão/Eu só sei sofrer, pensando em você”, dizem Guilherme e Santiago em “Meia-Noite e Meia”. “Rapaz, você aí na rádio, tá de brincadeira/Tá tocando só modão chonado a noite inteira”, dizem Fernando e Sorocaba em “O Cara da Rádio”.
A primeira música nacional sem ser sertaneja é também a primeira cantada unicamente por uma mulher. “Deixa Ele Sofrer”, de Anitta, mostra também uma diferença das músicas cantadas por homens e mulheres. Enquanto eles prometem se acabar, elas, mesmo funkeiras, às vezes preferem prometer um certo resguardo. “Pode implorar meu prazer/Que eu não vou me arrepender/Eu não sou tão fácil assim/Já acabou pra mim”, diz a letra.

Objetificação da mulher

Em algumas letras é muito clara a intenção dos músicos em, a partir de um estereótipo, fazer da mulher mero objeto de uso e descarte. É quase como se elas fossem uma lata de cerveja: enquanto se tem o líquido ali é a melhor coisa do mundo, mas depois de consumida torna-se inutilizável.
A letra cômica a partir da objetificação é também uma forte característica. Exemplo é a música “Made in Roça”, de Loubet, que sentencia: “Você é muito areia pra aquela carroça./Tá viciada na pegada made in Roça.”
Na lista há espaço até para canções que conotam violência contra a mulher ( e a tratam com uma banalidade suficiente e indigesta). É o caso de “O Defensor”, da dupla Zezé di Camargo & Luciano, que diz “Eu vim pra te buscar, eu vou te amar/E onde ele bateu, eu vou te beijar.”